Sunday, January 29, 2012

A "israelense" e a habilitação indiana






Dando um tempo na minha usual apatia para contar um causo pra vocês: eu tirando a carteira de habilitação na Índia.

Depois de três anos vivendo aqui, eu resolvi enfrentar o medo do trânsito e procurei uma auto-escola. Antes de comprar qualquer veículo, seria melhor verificar se eu realmente daria conta de dirigir aqui, foi o que pensei. E lá fui eu, me matricular na auto-escola, que por acaso fica ao lado do prédio em que moro.

O instrutor era muito gente fina, conversava bastante e tentava me fazer o mais confortável possível. Ele, assim como todos da auto-escola, simplesmente não entenderam, de jeito nenhum, que eu sou brasileira. Encafifaram que eu sou israelense. O que me deixava intrigada, já que, pelo meu parco conhecimento, não tenho a menor cara de israelense. As conversas eram sempre assim:

- Madame, Israel é bem mais organizado que a Índia né?
- Ah, deve ser. Eu não conheço Israel. Eu sou do Brasil. Brasileira.
- Ohhhh.

Na outra aula:

- Madame, em Israel tem muito motoqueiro?
- Eu não sei! Não sou israelense! Sou do Brasil! Brasil, América do Sul, futebol, Ronaldo, sabe o Ronaldo?
- Ahhh, Ronaldo, sei sim! Que legal! Mas então, ouvi dizer que em Israel não tem muita moto...
(eu quase batia a cabeça contra o volante, tentava ignorar a pergunta, respirava fundo e continuava a dirigir)

Fora essa questão estranha de "madame, lá em Israel...", as aulas eram mais ou menos assim:

- Madame, olha a vaca!

(...)

- Madame, olha o homem!

(...)

- Madame, olha o buraco!

(...)

- Madame, por que parou o carro?
- Ué, praquela família ali passar, oras!
- Não, madame, aqui não é Israel (????)
- Comassim???
- Madame, aqui a gente buzina e vai. Quem tiver passando que espere. Não dá pra esperar não (gargalhadas)

Assim eu fui, timidamente, aprendendo a usar a buzina. Ele elogiava e, obviamente, ria de mim: tem que usar essa buzina mais e apertar mais forte!

- A madame dirige bem.
- Ah, é?
- É sim. Eu só não gosto da forma como você para o carro em inclinações.
(putz, eu super me orgulhava da minha rampa, mas tudo bem)
- Ué, mas por quê?
- É que se a madame continuar fazendo assim, vai reprovar no teste. Tem que ficar com o pé no freio.
- Hummmm.

Ele continuou:

- Então, se a senhora não ficar com o pé no freio o tempo todo, o carro vai voltar.
- Escuta aqui, você já me viu deixando esse carro voltar?
- Não, madame, mas na prova você vai deixar (risos)

Daí que ele pegou tanto no meu pé que eu acostumei a ficar com o pé no freio direto, usando inclusive o freio de mão. Quero ver a confusão quando eu precisar dirigir de novo no Brasil =D

A prova teórica se deu sem muitas emoções. Fora a bagunça de ficar horas numa fila vendo as pessoas sendo aprovadas ou reprovadas numa prova oral em que todo mundo via quais questões estavam sendo perguntadas, foi tudo tranquilo.

Legal mesmo foi a prova prática =D

Foi assim: juntaram a galera de umas quatro auto-escolas em uma rua não muito movimentada perto da minha casa. Um senhor de uniforme militar, bigodão e voz autoritária chegou gritando:

- Quem for fazer prova de carro fica lá atrás! Motos, façam uma fila aqui! Agora!

E a galera fez uma fila de motos. O esquema era mais ou menos assim: pega sua moto, segue em linha reta, vira à direita e dê a volta no quarteirão. Se chegar de volta ao ponto inicial de pé e com tudo em cima, você aprova. E acreditem, tinha gente que, por nervosismo ou sei lá o quê, deixava a moto apagar na linha reta mesmo. Esses, obviamente, reprovavam.

Até que chegou a vez dos carros. Eu fui a primeira a ser testada. Naquela altura, todos já me conheciam como a "gringa israelense que estava tentando tirar a carta". Dessa vez quem me acompanhou foi o dono da escola, e não o professor. Minutos antes do teste ele veio correndo até mim, esbaforido, dizendo assim: madame, não conta que você é de Israel não, ok? Só se ele insistir em saber. Vamos tentar fazer a prova como indiana mesmo, pra ser mais fácil de passar.

Porém, quando chegou minha hora, a notícia já tinha se espalhado. O bigodão sentou no banco de trás e pediu meus documentos.

Olhei pro dono da auto-escola, que estava ao meu lado e perguntei "todos os documentos?", ao que ele disse "ok, dê todos os documentos". O bigodão logo interveio:

- Sim madame, me passa o seu passaporte, já fiquei sabendo que você é estrangeira. De onde é a madame?
- Sou do Brasil.
- Brasil? Que legal! E está fazendo o quê aqui na Índia, madame?
- Eu casei com um indiano.
- Hum, interessante. Que lugar você prefere, o Brasil ou a Índia?

Que lugar você prefere? Nesses três anos e pouco, perdi as contas das vezes em que ouvi essa pergunta. E acreditem, quando eu digo a coisa mais óbvia, que é a de que as pessoas geralmente preferem a terra natal, a reação não é nada agradável. Então, eu me limito a dar um sorriso de Monalisa e dizer: Ahhh, eu amo a Índia! Daí eles entendem que eu prefiro a Índia e se tornam extremamente mais amáveis comigo. E foi assim com o bigodão, que deu início à prova:

- Dê marcha a ré e entre na rua à esquerda.

Fiz.

- Bom. Agora estacione ali (me mostrou o lugar, sem nenhuma marcação ou nenhum impedimento, tipo, sem nenhum carro estacionado).

Fiz.

- Agora dê a volta no quarteirão.

Fiz.

- Pare naquela inclinação ali.

Fiz, com o recurso do freio de mão, obviamente.

- A madame já dirigia antes, né?
- Já sim, só que do lado esquerdo.
- Muito bem, foi aprovada. Boa sorte (esboçou um sorriso, pois nessas horas ele já estava simpático comigo). 

Depois disso, fui ao Departamento de Trânsito de Karnataka, onde me fizeram assinar milhões de papéis e pronto, habilitada!

Espero que tenham gostado desse causo. Aproveitando que resolvi driblar um pouco a preguiça de escrever, quero desejar a tod@s que porventura leiam este blog um ano novo de muita saúde, paz, menos preconceitos e muitas realizações!

Até!



1 comment:

Kaku said...

Eu leio o teu blog, aliás, já estava com saudade...
Gosto muito da forma como você escreve. Sorri muito da israelense tirando a carteira de habilitação na Índia.
Desejo tudo de bom pra você.
Um abraço

Kelen